segunda-feira, 14 de abril de 2008

MULHER IDEALIZADA
01/06/2003. 18º Dia – Domingo

Olho para o alto
E vejo você


Traço linhas
Conecto as estrelas
Assim nasce seu rosto
Que também é celestial


És ainda mais linda
Na distância que de mim estás


És tudo
E na sua completude
Lembro você na totalidade


E mesmo que te desconheça
A ti pertenço
Na sua presença ausente
Em você
O nada se esvai


Assim é você
Um vazio que se perfaz
Em alma sem corpo
Tu és em detalhes a reconstituição em minha mente


Intermitente é seu sorriso
O perfume deixado em meu cordão
A sua pele morena
Que como o sol que aqui me queima
Faz você assim, tórrida


Sua boca água marina
É a brisa em corpo que se aproxima
Com seus gestos de menina
Flutuando pelo ar


... me desestabiliza com seu vento
... me faz mudo com seu marulhar


Calado
Na tentativa de lhe dizer
Caio na desgraça da embriaguez
Pois assim tenho encontro marcado com a coragem


Escuto no seu silêncio dizer
Que não há nada a ser dito
Que não se importa
Que sou maldito


Aqui eu minto
Aqui tu és minha mulher idealizada


É para você a quem eu mostro os pássaros
Que ainda não voam de seus ninhos
Nascidos brancos e franzinos
Como meus sentimentos junto ao mar


Amar assim é meu destino
E ao meu lado te imagino
Na esperança do sono que virá


Peço-te
Quase rogo
Na minha imaginação noturna
Que me permitas contigo continuar a sonhar.

TELHADO II

De Sábado para Domingo

Escrevo sobre o telhado
E sob as estrelas
Hoje dormirei aqui
Olhando para o céu
Como há muito tempo
Como no passado fazia
Lembro de minha infância
Da janela
Do meu antigo quarto
Dos meus antigos pensamentos
Daqui não há limites
Enquadramentos
Proibições paternas
Posso olhar para fora
Pois estou dentro do fora
Na madrugada
Sem medos
Assombros da violência
Que me enjaulou outrora em meu próprio quarto
Grades
Que me prendiam
... me isolavam sob o propósito de me proteger
Fazer-me o bem
Com o mal à solta
Agora
Posso estar livre
Liberto das mazelas do humano
E medos do cotidiano
Posso olhar novamente para o céu
E sua beleza sublime
Faz-me recordar
Voltar
Ser menino
Que há tempos
Deixou latente seu olhar
Agora enxergo
Sem janelas, grades, enquadramentos, limites, tetos
Quantos no mundo dormem sobre seus telhados...
... olhando para as estrelas?
A sensação daqui é de ser o único.

DESPEDIDA II
31/05/2003. 17º Dia – Sábado

Fim de tarde
Fim de maio
Mais um dia
Mais um mês de nossas vidas
Finito
Tudo que tem um começo tem um fim
Palavras do Mestre Josias
Assim fora dito
Os sons
As cores
As sensações desse lugar
Digo
Repito
Infinitas vezes
É infinitamente especial esse lugar
Sei de nosso isolamento
E nesse mar de vazio
Estou sozinho em meus pensamentos
Do farol
Espero a noite chegar
O incenso se apagar
E na ausência da luz
É certa a luz das estrelas
Com a lanterna em mãos desço
Ao reencontro com meus amigos.

DESPEDIDA
29/05/2003. 15º Dia – Quinta

Quinta
Meio de tarde
É hora de despedidas
Para quem cultiva amizades
É hora de perda
Tristes
Tiveram que ir
Tristes
Tivemos que ficar
Das cinco partes
Duas se vão
De um todo ilusório
Feito de risos
De estórias
De verdades sobre a vida
De mentira é a sorte
A mesma que nos uniu
E agora nos separa
Por agora fica o que passou
Para depois a esperança do reencontro
Boa viagem amigos.

TELHADO
27/05/2003. 13º Dia – Terça

No telhado
Logo acima dos que habitam o lugar
Estou eu
Com os pássaros
A luz vai se tornando menor
Lentamente
Escassa
Olhamos para o mesmo lugar
O cruzeiro do Sul nos mostra a direção
Orienta
Vislumbro o sul
E ao norte estou
Ao leste alvorece o dia

E ao oeste o sol padece.

FAROL
26/05/2003. 12º Dia – Segunda

Farol
Deitado na varanda
... me cobri de estrelas
Um manto de diamantes
Logo acima de mim
Não sinto frio
Apesar do vento gélido
Nada pode me abalar
Parado
Abstraio o mundo
E o observo
Retorno ao meu corpo
E o observo
Nem tão perto
Nem tão distante
E você vem até mim
Ilumina
E se deixa apagar
No alto
Tocando o céu como uma entidade divina
Farol
Torre de sol
Solitário
Sobre as rochas
Desponta imponente efígie de luz

Sozinho
Às vezes acompanha os que passam
Mas nunca segue viagem
Triste é a vida
Daquele que nasce para ter saudade
Daqueles que têm luz própria
Mas não podem seguir
Estagnado
Estalagmite luminosa
Irá morrer aonde nasceu
E mesmo assim
Triste e gentil
Continua a iluminar
O caminho dos que se vão diante de ti.

AMIGOS TERRESTRES


Aos amigos terrestres
Sei que estão por perto
Após o horizonte que vos esconde
Fica a minha alma
É penoso não alcançá-los ao olhar
Por isso fecho os olhos
E os imagino aqui
Ao meu lado
Vejam a beleza desse momento
O calor do sol
Sobre o rosto
Escutem
A sinfonia das ondas
Sua força e suavidade sonora
Ao deslizar
Um organismo vivo de oceano
Sintam o vento
Voem como pássaros
Transcendam a distância
O pensamento pode tudo
Até os colocar aqui
Tão perto amigos terrestres
Se pudesse
Seríamos um só
Sonharíamos os mesmo sonhos
Viveríamos a mesma vida
E se viver não é sonhar
Sonhe estar sonhando
E viva estar vivendo
Cada momento
Intensa e calmamente
Observe o simples
Não as dê passagem
Capture através da rede dos sentidos
E faça sentir quem está perto
Ou mesmo longe
Amigos terrestres
Vocês estão aqui
Podem acreditar.

COMPOSIÇÃO
25/05/2003. 11º Dia – Domingo

Quantas cores são precisas?
Nossas vidas multicoloridas
Pedem mais e mais
Mais do que se projeta sob o sol
Na ganância sensorial
Na superposição
Na superação inatingível da natureza
Nela
O simples matiz
... se mostra na hora exata.
Sem exageros
Azuis alguns
Escalas de cinza
Preto, branco.
O amarelo se faz laranja
Para logo depois se tornar vermelho
Contrastes, saturações.
Cores quentes
Cores frias
Evaporam-se
Douram olhos
Intumescem-se d’água em mensagem
Um dia se vai
O sublime esvai
Vai ficando para trás.

OLHAR ACIMA
24/05/2003. 10º Dia – Sábado

Planetas
Cosmos
Estrelas
Nebulosas
Meteoros
Cometas
Como?
Lá estavam elas
E nunca as percebia
Fabulosas
Luzes que já morreram
Fragmentos que transitam
Deixem marcado seu caminho
Por galáxias
Anos- luz
Longe de mim
E eu não percebia
Céus
Perdoem-me
Como era cego
Turvos eram meus olhos
Não entendia a escuridão luminosa da noite
Espero que não cometas
Os mesmo erros que eu.

POENTE
23/05/2003. 9º Dia - Sexta

Subimos o farol
Para ver o entardecer
É um ritual
O cumprimos religiosamente
Para ver que o dia se foi
E a noite está por vir
O sol beija o mar
Passando pelas nuvens
Bordando de dourado seu volume
Delineando seus contornos
Tocando docemente suas formas voluptuosas
Nesse momento minha mente viaja
Imagina
A natureza repete
Ou melhor
Nela nos inspiramos
Nossos desejos se fazem do toque
Do tato
Do beijo da mulher amada
Do calor que sentimos emanar do corpo
É como esse pôr-do-sol
O mais lindo de nossas vidas

E aos poucos a luz diminui
Como fecham os olhos
Ao sentir prazer
No êxtase dos sentidos
Descanso
Como esse poente ao fim do dia.

ORA

Ora
Para quê tempo?
Vivemos...?
Ou somos cronometrados
Para um dia chegar à morte?
Vivemos...?
Ou somos dissecados
Em horas, minutos e segundos?
O mundo gira?
Ou corre para encontrar o seu outro lado?
Na busca alucinada pela vida
Quem vale é quem têm?
E para quê ter
... se temos e não sabemos para quê?
Cultivamos o agora
Mas não vejo a hora
Aliás, nem quero mais vê-la
Quero acordar com o sol
E dormir com a lua
Trabalhar
Para poder descansar
Comer quando sentir fome
Beber quando sentir sede
Sentir presente mesmo quem está ausente
Viajar
E novamente ao anoitecer
Olhar as estrelas
Ouvir o barulho do mar
Isso me faz feliz
Tudo agora faz sentido
E espero que não espere
Para o que não tem hora para acabar...

MERGULHO II

Vôo
Sou ar
Como o sopro do vento
Renasço
O líquido amniótico que me envolve agora é azul
No ventre da minha mãe
Ainda me sinto inseguro
Tenho medo de prosseguir
Tudo é novo e fascinante
Um outro mundo
Que a princípio não me pertence
Nada é semelhante
E não nos identificamos com o que está próximo
E penso
Não sou nada
Deve ser o sentimento que temos ao nascer
Aqui
Neste exato momento re-renasço
Meus primeiros passos
Não têm chão
Estou de volta ao ventre materno
Preso a um cordão umbilical
Que se prende na escada
Que se prolonga e flutua até o meio da enseada
Esse é meu limite
Aonde me sinto seguro
Aonde as ondas não conseguem me levar
Parece pouco
Mas é eterno
Nunca antes havia visto algo assim
Sinto-me voando novamente
Abrigado pelas rochas
Pelas plantas que se deixam levar
Numa dança subaquática
Pelos peixes multicoloridos
Pelos corais
Pelos seres minúsculos
Que se assemelham aos grãos de pólen no ar
Tudo o que temia
Não faz sentido
Na prepotência do ser humano
Achamo-nos importantes demais
Antropocentrismo imbecil
Tudo está completo
Somos anexos
Visitantes
Intrusos desse paraíso
Como embriões
Pouco compreendemos
E muito temos a aprender
Agradeço ao criador por ter renascido aqui.

MERGULHO I

22/05/2003. 8º Dia - Quinta

Caminho em direção ao mar
São meus últimos passos
Logo deixarei de ser terrestre
Avisto o azul
É inegável não vê-lo
Escutá-lo
Senti-lo
A primeira impressão que se tem nesse lugar
É a de que estamos acuados
Isolados
Mas logo percebemos que fazemos parte
Transitamos entre terra e água
E nem percebemos
Salto
Por instantes não pertenço a nenhum dos domínios que posso atingir
Estou no intervalo
Na transição
Não sou mais terra nem mar
Vôo como atobás e viuvinhas
Como a brisa no mar

CATEDRAL SUBMERSA

21/05/2003. 7º Dia - Quarta

Acordo
Agora mais consciente de onde estou
É inegável
Estou aonde antes achei que era sonho
Esses rochedos
Inóspitos a princípio
É cheio de vida nessa catedral submersa
Caminhamos sobre duas torres
No ar
Juntos dos pássaros
Perto do céu
Perto do mar
O azul predomina
... se espelha nas ondas
... se quebra nas rochas
O branco da espuma contrasta com a escuridão das pedras
E mesmo assim se faz harmonia
O som orquestra sua força
O vento traz o fragmento
Que ameniza o calor do sol
Que brilha áureo e dorme
Para que prata se ilumine na lua

NOITE

Noite de luar


Chegamos
Ainda não acredito estar aqui
Desestabilizado
Esta é a palavra que traduz como estou
Meus passos ainda não se adaptaram à terra firme
Balançam como no barco
Balanço como o mar
Minha mente também não assimilou onde estou
Estórias e fotografias
Construídas em meu subconsciente
Não sabem que tudo é real
Passo o olhar e tento compreender
Esse espaço tão pequeno
E tão cheio de significado
Acho que é em vão
Vou demorar em descobrir o que os Rochedos têm a me dizer
O que fica é a saudade dos que partiram
Celminha, Raquel, Ronaldo e Rodrigo
Boa viagem
Ainda estamos ligados
Os passos de vocês ainda estão por aqui
E minha alma se encontra despedaçada pelo mar.

PROA

Da proa
Sentado sobre as cordas
Avisto longe o Arquipélago
Após mais de 48 horas atrás ter visto o último sinal de terra
É maravilhoso
Mesmo que seja pontual
E ainda distante
Tenho certeza que não é miragem
O navio prossegue lento
O rumor dos motores
Confundem-se com as batidas do meu peito
A água respinga
E cai sobre mim
Sobre meu rosto
Parece querer me sugerir
Que eu vá às lágrimas
Depois de longo tempo
Num barco pequeno
Mas de bravos homens que se lançam ao mar
E fazem dele a sua vida
Grandes homens
Que abandonam família
Que abandonam a estabilidade da terra
Para navegar
Para sobreviver
Amontoados uns sobre os outros
Como gavetas fúnebres
Fazem um corpo único com a embarcação
Dela entendem
Com ela direcionam seus rumos
Suas vidas
Apesar da precariedade
Do desconforto
Consolam-se
E acho que estão felizes por estar aqui
Como eu estou
Querendo ou não somos uma família
Que poucas vezes se fala
E no silêncio
Nossos olhos dizem tudo
O mar é o portal
Que nos leva com nossas lembranças
De quem amamos
Daqueles que ficaram
E que infelizmente
Não podem compartilhar
De tudo isso
Por mais que contemos
Corre-se o risco de tornar história
História de pescador
Mas não quero credibilidade
Porque vivi
Está comigo por todo o sempre em cada segundo.

10 milhas, previsão de chegada 15h


Conversando com Seu Daniel... Logo ele me perguntou se era a primeira vez que ia aos Rochedos... Ao responder afirmativamente... Ele me falou que no lugar existem muitas lendas... Sendo uma delas a de que ao avistar os Rochedos pela primeira vez tem-se que comer sal e açúcar... Essa lenda diz que se não for cumprido o ritual... A ilha se desmancha... Falou-me também do atobá da asa quebrada chamado Johnny... Que lá permanece, pois não consegue voar... Falou-me sobre a pesca... Dos 500 anzóis para o espinhel... E eu lhe falando que havia visto alguns golfinhos próximos ao barco... Logo depois sou chamado por Seu Daniel... Já imaginava que era de golfinhos que se tratava... Mas nem esperava por tantos nem tão perto... Eram aproximadamente uns 8... Chamando-nos a atenção... Nadando velozmente na proa do barco... Dizem que esse comportamento é para distrair o possível perigo do bando maior... Sendo que enquanto que os machos e adultos se arriscam... Os outros fogem noutra direção... Para mim foi uma das experiências mais fascinantes da minha vida... Queria pular e nadar com eles.

LINHA DO EQUADOR

20/05/2003. 6º Dia - Terça

Atravessamos o Equador
Pela primeira vez
Estou no Hemisfério Norte
E a poucas horas do Arquipélago
Na paisagem nada mudou
Na verdade
O mar está mais azul
Pela presença do sol
O vento continua sudeste
E da popa do barco
Vejo linhas
Não a do Equador que passou
E se tornou referência no imaginário
Lembro de sua representação
Nos mapas de Geografia
Na realidade o que percebo
É a linha do horizonte,
O rastro sinuoso deixado pela embarcação
E a linha áurea da luz do sol sobre o mar
Que nos guia
Mostra-nos o caminho
Parece que um deus brinda a nossa chegada.

PÔR-DO-SOL

19/05/2003. 5º Dia - Segunda


Minha sombra se projeta sobre o papel
A luz
Rasante
Toca o mar
O sol
... se desfaz
... em feixes luminosos ... se esconde entre as nuvens
As ondas parecem que vão em direção do pôr-do-sol
E nós somos obstáculo
De algo muito maior
Nunca estivemos aqui
E nunca mais estaremos
Da mesma maneira
Amanhã
Tudo pode se repetir
No exato momento
De ser único.

13 TRIPULANTES

18/05/2003. 4º Dia - Domingo

O que é o céu?
O que é o mar?

A linha que os divide é tênue
Desfaz-se
E mesmo que duvide
Ela existe
No infinito aonde nossos olhos não podem chegar.

Embarcamos
Agora vamos rumo ao mar
De inicio o mar é receptivo
Mas logo quer nos abraçar
Somos muitos
E somos pouco
Um ponto
Na imensidão azul
Noronha se distancia
Cabe perfeitamente em nosso campo visual
Distancia-se e logo
Não o veremos mais
As ondulações aumentam
Parecem que pedem
Forçam o nosso retorno
Eu gostaria
Mas só estou feliz
Estou aqui
E imagino o que está por vir
Na certeza que vou voltar

A 4500 m, a 520 km/h, a 29º C e em 25 min.
Da cidade de Natal para Fernando de Noronha

17/05/2003. 3º Dia – Sábado

O vôo sai às 8 horas
Natal vai ficando
Suas terras
Seus coqueirais
O limite é o branco
Como a areia da praia
As ondas quebrando no continente
As nuvens no céu
O azul do mar
Torna-se azul celeste
Na realidade uma coisa só
Harmoniosamente
Completam-se
Misturam-se numa gama infindável de azuis
Minha retina delira
Não sei se estou sob o céu
Ou sobre o mar
O horizonte não revela
Não há referencias
Mas para que precisamos de objetos para nos localizar
Estou aqui
E me imagino em qualquer lugar
O meu corpo é etéreo
Dissolvido pelo ar
Não importa
É eterno esse dia.

Caderno 001 - Viagem ao Arquipélago de São Pedro e São Paulo


Poemas amadores... poesia juvenil... tudo é quase infantil ... assim me senti ... no início do início ... quando se fazem as descobertas ... essa viagem é um marco oceânico ... um arquipélago dentro dos meus pensamentos.